5 de agosto de 2015

Colabor Ativa Mente

Escassez x Abundância. Palavras que rondam minha mente e inadvertidamente conflitam em meu universo de contradições. De um lado: estoques, reservas, futuro, imprevistos, planejar, acumular, racionar, fracionar. De outro: fluxo, circulação, sincronicidade, presente, dádiva, colaborar, compartilhar, multiplicar, desapegar.
Eduardo Giannetti me alerta sobre o custo que pagaremos no futuro por antecipar os desejos do presente. O IPCC e o WorldWatch Institute me jogam na cara os danos que causamos ao planeta após séculos de abusos sem limites e Fabio Gandour engrossa o caldo da escassez dizendo que com o aumento da população e do consumo, “vai faltar átomos”. O que me remete à ideia de estocar, preservar, proteger, prever e cuidar.

Como profissional da área da educação financeira conectada à sustentabilidade, tenho constantemente orientado as pessoas a sempre preservar seus recursos de hoje pensando no amanhã, construir uma reserva para imprevistos, poupar, evitar desperdícios e de certa forma, acumular patrimônio para garantir uma aposentadoria saudável e próspera. Eu estava bem resolvida e confortável com estas ideias e conceitos, até que Denize Guedes me aparece dizendo que esta é uma lógica perversa, que reforça o paradigma vigente da escassez. Oi? Explico!

Segundo o paradigma da escassez, acreditamos que não tem para todo mundo, por isso temos medo que falte, assim, criamos estoques, retirando os bens de circulação. Com isso, aumentamos o custo da transação e a consequência é que excluímos quem não pode pagar.  Ou seja, a profecia se autorrealiza: não tem para todo mundo.

Joseph Jaworski e Zygmunt Bauman me dizem que tentar controlar um mundo líquido, não fixo com fixidez é uma ilusão. Lala Deheinzelin me fala sobre a infinita possibilidade de combinações criativas em um mundo de recursos tangíveis finitos. Augusto de Franco, Charles Eisenstein, Oswaldo Oliveira e Camila Haddad me falam do poder e da abundância da rede distribuída e da atitude colaborativa para gerar valor que, uma vez doado, trocado, emprestado e compartilhado, irá circular e retornará a quem estiver aberto e de prontidão. Este é o paradigma da abundância, que opera segundo a seguinte lógica.

Acreditamos que tem para todo mundo, por isso temos esperança que sempre tenha, assim, criamos e colaboramos uns com os outros, multiplicando as possibilidades, colocando bens e serviços em circulação e aumentando o fluxo. Com isso, reduzimos o custo da transação e a consequência é que incluímos quem não pode pagar. Ou seja, a profecia também se autorrealiza: tem para todo mundo.

Como faces da mesma moeda, estas palavras remetem a sentidos diferentes de economia, mas principalmente de posturas diante da vida. Uma baseada na prevenção, nos riscos, na dúvida, no controle, no indivíduo, na falta, na quantidade, no valor tangível. Outra fundada na riqueza da imprevisibilidade, na conexão, no presente, nas infinitas possibilidades, na confiança, no coletivo, na qualidade e no valor intangível.

Qual delas escolher? Que caminho seguir? Devo me proteger dos riscos do futuro imprevisível, planejar cada passo, calcular cada movimento, preservar o conhecido, controlar cada moeda, gota d’água ou segundo, poupar para amanhã? Ou devo confiar na providência, me entregar ao invisível, empreender as oportunidades, crer para depois ver, investir no agora?

Angustiada com esta dicotomia, busquei referências na natureza. Como será que os seres vivos que vieram antes de nós operam? Colaboram ou competem? Reservam para o futuro ou se entregam ao fluxo? Claro que nesta busca biomimética encontrei exemplos dos dois paradigmas, embora Ricardo Mastroti tenha me garantido que, na natureza 0,001% é competição enquanto 99,999% é colaboração!!! Humm, uma boa pista não? Será que estamos caminhando para um futuro mais alinhado ao que nossos irmãos mais evoluídos já vivenciam há muito tempo?

        Mas há também na natureza, exemplos clássicos de preservação de energia, recursos e alimentos para vivenciar os períodos mais críticos, onde os recursos naturais se escasseiam e o ambiente se torna mais inóspito. Quem não conhece a famosa história da formiga e da cigarra, na qual a primeira acumula folhas para sobreviver ao inverno enquanto a segunda, entregue totalmente ao fluxo, passa o inverno cantando até morrer? Ou o exemplo dos ursos que hibernam durante alguns meses poupando energia vital até que o alimento volte a ser abundante?

Enfim, sempre me pareceu uma visão extremista tentar escolher entre um caminho ou outro. Sou uma profunda entusiasta do e, por isso ontem fez muito sentido ter a chance de conversar um pouco com Oswaldo Oliveira que definiu em uma palavra muito peculiar esta tentativa de superar este sentimento de separação que vivemos e pelo qual procuramos definir ou justificar nossas práticas. Ele disse: “É preciso saber INTEGRAR a sobrevivência com a evolução”.

Minha leitura desta sábia frase na prática é que devemos urgentemente refletir para que possamos encontrar este caminho do meio, esta medida ótima entre prudência, cuidado e cautela que nos permite sobreviver ao dia a dia, talvez mantendo um certo estoque de recursos externos a nós para que possamos sentir um pouco mais de segurança ao caminhar rumo ao desenvolvimento e à evolução. Esta caminhada nos exige uma entrega ousada, confiante e corajosa de recursos internos ao fluxo de abundância, para oferecer ao mundo o melhor de cada um de nós. Que o medo de morrer, errar, perder, fracassar não nos governe. Que a crença cega de que tudo será fácil e abundante sempre também não nos governe. Que sejamos capazes de viver o presente e participar da criação de suas infinitas possibilidades, sem perder de vista a finitude dos recursos e a possibilidade de enfrentar invernos rigorosos à nossa frente.

Isso para mim é sabedoria. A busca desta integração que nos motiva a continuar seguindo no propósito de discutir caminhos para construir uma relação saudável e digna com os recursos que nos nutrem e sustentam para que possamos encontrar e vivenciar a melhor versão de nós mesmos.

* Gratidão a todas as pessoas citadas neste texto que é fruto de um diálogo interno com cada uma delas, a partir de interações pessoais ou lidas, interpretadas por meus filtros  e vieses pessoais. Peço perdão se alguma das ideias aqui descritas não representa seus pensamentos, é apenas a minha imperfeita releitura. Convido a colaborar e continuar esta reflexão junto comigo.