8 de maio de 2010

O desafio de enxergar o mundo de forma integral

 
Por Nara Bianconi e Carol Romano

O engenheiro naval e doutor em engenharia nuclear, Ari Raynsnford, começou a estudar a obra de Ken Wilber há 20 anos e nunca mais parou. É categórico ao dizer que a sua vida se tornou mais fácil depois do contato com os pensamentos do filósofo americano que já é considerado por alguns "o maior pensador no campo da evolução da consciência". 
 
Ari passou os últimos 10 anos divulgando pelo Brasil o Modelo Integral - sistema proposto por Wilber -, ministrando palestras e cursos, coordenando grupos de estudo, traduzindo livros e artigos, e prestando consultoria a empresas. A seguir e com exclusividade para AsBoasNovas, ele apresenta algumas das suas reflexões sobre o desafio Wilberiano de integrar ciência, filosofia, arte, ética e espiritualidade.
 
AsBoasNovas: De onde parte o pensamento integral de Wilber?

Ari Raynsford: O mote dele diz que todos os grandes pensadores e linhas de pensamento da humanidade estão certos. Quando temos duas ou três opções para resolver um problema costumamos escolher apenas uma e crer nela como algo absolutamente certo enquanto as outras passam a ser encaradas como erradas. E ele disse que não podia aceitar que dois gênios da humanidade estivem certos ou errados. Concluiu que ambos estavam certos, mas parcialmente certos, o princípio da sua teoria da integração. O desafio está em operar numa lógica diferente do sim ou não, em perceber que não precisamos optar entre concordar com Freud ou Jung, por exemplo. A lógica binária comete reducionismos perversos.

ABN: Então o modelo integral se baseia no estudo dos processos, de como as coisas funcionam?

AR: O Sistema Operacional Integral (SOI) de Wilber é, justamente, a análise do processo. Para Wilber, viver é processar o cosmos. Recebemos estímulos externos o tempo todo e esses estímulos são processados por um sistema operacional interno que nem nos damos conta que existe. Acontece que esse nosso sistema, do jeito que está, parece limitado para processar os questionamentos atuais do mundo, que andam mais complexos.

ABN: Essa integração acontece de que forma?

AR: Wilber fala dos quatro quadrantes, a essência de seu mapa. Não existe nada que não tenha interior e exterior e tudo que existe tem um aspecto individual e outro coletivo. Combinando dois a dois, os quatro aspectos acima, -individual, coletivo, interior e exterior-, obtemos os quatro quadrantes de Wilber. Vivenciamos esses quatro quadrantes nesse momento. Se você focar no seu corpo exterior começará a ouvir sua respiração; Se focar no seu interior perceberá o que está pensando e sentindo; O interior coletivo trará aspectos intersubjetivos, como por exemplo, você entende o que estou dizendo porque falamos a mesma língua; Por fim, se focar no exterior coletivo, pode atentar para as referências que te trouxeram até esta entrevista.

ABN: Isso pode ser aplicado na prática de que maneira?

AR: Você não pode ser feliz tratando apenas um quadrante. Você tem que tratar do seu corpo, da sua mente, das suas relações subjetivas e do meio em que vive, achar um equilíbrio entre elas. Quem monta a sua prática é você mesmo de acordo com seus padrões financeiros, suas necessidades, usando o mapa (Mapa Integral ou SOI) como norte. O ideal seria que começasse a fazer uma prática na medida em que vai lendo o modelo, para ir vivenciando-o não só intelectualmente. Independente de você saber a teoria, ela só te dá insights que te levam a prática e na medida em que você vai fazendo isso elas vão se unindo e uma te leva a outra. É um processo sinérgico.

ABN: E como conseguir mudanças positivas com o mapa?

AR: Muitas vezes lemos coisas interessantes mas não mudamos de fato, por isso digo da sinergia entre entender Wilber e praticá-lo. Todos nós nascemos egocêntricos. Conforme a criança vai crescendo ela se preocupa com o outro, mas só com aqueles do seu grupo, e passa para uma fase etnocêntrica. Se continuar nesse processo evolutivo irá para o estado multicêntrico, onde se preocupa com toda a humanidade. Depois disso poderia passar para um nível cosmocêntrico, onde há preocupação com todos os seres sensíveis, com os animais, plantas e a Terra como um todo. Segundo Wilber estamos (a sociedade global) no estado etnocêntrico e sua proposta é justamente incentivar o ser humano a se conhecer e transcender para níveis de consciência mais elevados também em sociedade. Paralelamente ao esforço para transcender os níveis, a intenção é tentar neutralizar nossas patologias e estar sadio em qualquer um desse níveis. Seguindo este raciocínio, o primeiro desafio é estarmos sadios no nível etnocêntrico que nos encontramos.

ABN: De que jeito é possível romper com um estado atual de consciência e transcender para outro mais elevado?

AR: Não existe nenhum processo na natureza sem perda. Quando você está se sentido confortável em uma posição você fica meio estagnado. Quando começa a se sentir desconfortável por alguma razão primeiro você tenta resistir, mas quando ela começa a ficar muito forte então você vai buscar mudar, porque está ruim aqui e você quer que fique melhor. Surge o medo da mudança, do desconhecido... Essa é mais ou menos a dinâmica da evolução. Você poderia passar a vida sem desconfortos, mas notamos que a maioria das pessoas evoluem por conta do desconforto, por mini-crises ou crises fortes. É quando a transcendência de estados se manifesta.

ABN: Como você encara a obra de Ken Wilber?

AR: De uma maneira bem simplista, acredito que Wilber nos deu um mapa para mostrar como o ser humano funciona. E esse mapa pode ser aplicado à tudo, tanto para você viver melhor como para resolver os problemas da humanidade.

ABN: Esse mapa é perecível?

AR: Eu creio que não, por uma razão muito simples: a proposta dele não é criar uma nova teoria mas sim integrar tudo o que já se faz nas diferente áreas onde ele estuda. Eu tenho fé que isso ainda dura muito tempo, porque tudo o que surgiu desde o começo da humanidade até agora está incluindo no modelo integral e tem sua inter-relação com outras coisas. É como se ele montasse um quebra-cabeça, onde cada pecinha tem uma verdade válida e quando essas verdades parciais são encaixadas se tornam uma só, que ainda é uma verdade parcial, mas já mais integrada e abrangente. Assim notamos nossas limitações ao tentar resolver nossos problemas. Como resolvemos problemas ecológicos? As tentativas são capengas porque usar só a perspectiva da ecologia é limitada. Então tem que pensar que uma variável está embutida neste modelo mas existem várias outras variáveis embutidas em outros modelos e a sugestão é integrar todas elas.

Breve biografia de Ken Wilber
 
Filósofo, cientista, pensador e místico, o americano Ken Wilber, do alto dos seus 60 anos prefere se autodefinir como "um contador de histórias que trata de perguntas universais". Ao completar o segundo grau começou a estudar medicina, mas logo desistiu da carreira médica e foi estudar psicologia e filosofia ocidentais e orientais. Concluiu ainda um mestrado em bioquímica e na sequência, passou a dedicar-se as publicações.

Com 23 livros e dezenas de artigos sobre espiritualidade, filosofia e ciência lançados em mais de 30 idiomas, Wilber é atualmente o autor acadêmico mais traduzido nos Estados Unidos. Pela natureza básica e pioneira de seus insights, ele foi chamado de o "Einstein da consciência". Em 1998 fundou o Integral Institute (http://www.integralinstitute.org/
), organização dedicada ao detalhamento, difusão e implantação do "Modelo Integral", por ele desenvolvido ao longo das últimas três décadas e que é aplicável a variadas áreas de atividades como: Psicologia, Política, Ecologia, Medicina, Educação, Direito, Negócios, Arte, Espiritualidade, entre outras.

Alguns títulos do Autor
  • O Espectro da Consciência (Cultrix, 1990)
  • O Olho do Espírito (Cultrix, 2001)
  • Uma Breve História do Universo (Nova Era, 2001)
  • Uma Teoria de Tudo (Cultrix, 2003)
  • Boomerite: Um Romance que Tornará Você Livre (Madras, 2005)
  • A visão integral (Cultrix, 2009)
 

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