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5 de abril de 2010

A economia da confiança

Sem ética, não há desenvolvimento econômico. Quando todos confiam, tudo flui, sem análises excessivas e negociações penosas.

Há alguns anos entrevistei o economista Jeffrey Sachs, na época em Harvard. O mote de nossa conversa: sem confiança não é possível otimizar a economia de um país. Numa sociedade movida pelo interesse próprio, em que cada um tenta obter o máximo para si, em que tudo é uma questão de troca na base do “toma lá dá cá” e até favor deixa o outro devedor (“Você fica me devendo essa...”), tudo parece contribuir para um clima geral de desconfiança e defensividade. Não seria esse tipo de contexto que acaba gerando a busca de resultados máximos para si a qualquer preço? Não seria isso que gera a corrupção, que, por sua vez, potencializa a desconfiança em relação a tudo e a todos? Não seria assim que se geram resultados, na economia, que representam só uma mera fração do que uma sociedade é capaz de realizar quando prevalece a confiança e todos se empenham pela evolução de todos?

Costumo provocar os líderes que participam de nossos programas com perguntas sobre o custo da desconfiança: “Vocês têm ideia do ‘custo controle’ em nosso país? E em nossas próprias organizações?”. Estamos tão habituados com os sistemas e controles ao nosso redor que nem sequer reparamos no imenso nonsense que a cultura da desconfiança provoca em nosso modo de vida, nas organizações e na própria sociedade.

Mas é possível criar sistemas em que tudo aconteça num ambiente de confiança e ética? Esses sistemas sobreviveriam no mundo em que vivemos hoje? Sem dúvida. Veja o caso do Grameen Bank, criado pelo Nobel da Paz Muhammad Yunus. Um banco de Bangladesh que nasceu e cresceu centrado no valor da confiança. Embora se façam ali operações sem documentos, a inadimplência é baixíssima. Isso porque a confiança (depositada pelo banco no cliente de baixa renda) passa a ser o maior ativo do cliente (confiança que lhe assegurará apoio contínuo do banco e de todos os outros agentes da sociedade). Um ativo precioso que a pessoa nunca vai querer perder.

O Grameen Bank, criado por Muhammad Yunus, Nobel da Paz, cresceu centrado no valor da confiança

Esse é o caso dos diversos tipos de cooperativas do mundo todo. E também do trabalho em conjunto entre pessoas e organizações que, com o tempo, em função de experiências positivas constantes, desenvolvem uma relação de tal respeito e confiança capazes de viabilizar negócios que seriam simplesmente impossíveis na “economia da desconfiança”. Quando todos confiam, tudo flui, sem análises excessivas e negociações penosas, que não só tiram a agilidade do processo mas também reduzem, muitas vezes de forma drástica, o potencial de resultados de cada oportunidade.

Até que ponto as recentes turbulências globais indicam a necessidade de revermos nossos sistemas de relacionamento e trabalho em conjunto? Será que num contexto de confiança plena – em que todos trabalhem pelo bem comum – teríamos chegado ao ponto de gerar consistentemente crises econômicas, problemas ambientais, guerras e todo o tipo de violência que testemunhamos em todo o mundo? 

Por: Oscar Motomura

5 de maio de 2009

Questão de fé: reaprender a confiar no outro


    Pensar a crise de civilização que estamos vivendo implica refletir sobre que significado tem a vida humana e a vida da Natureza no tempo contemporâneo.

            De fato, o encantamento diante da vida ao senti-la em toda a sua diversidade biológica, saber-se capaz de sentir sentindo, consciente de sua existência e da existência do outro, capaz de agir, livremente, foi o começo de tudo, da vida humana. A vida humana, portanto, em sua gênese, fundamentou-se no relacionamento dinâmico do homem com a Natureza e dos homens entre si.

            Esta existência relacional é produtora de cultura, na qual o homem, nela integrado, sobre ela influi e dela depende. Simultaneamente é filho e pai da cultura na qual está inserido. Portanto, em cada manifestação de sua vida, o homem traz consigo uma constante abertura ao mistério da vida e o seu desejo inexaurível de conhecimento. Em conseqüência, cada cultura traz gravada em si mesma e deixa transparecer a tensão para uma plenitude. Quando as culturas estão profundamente radicadas na natureza humana contêm em si mesmas a capacidade da abertura, própria do ser humano, ao universal e à transcendência. As culturas alimentam-se da comunicação de valores e a sua vitalidade depende da sua capacidade de permanecerem abertas para acolher a novidade (João Paulo II, 1998) .  

Ao mesmo tempo, como nos lembra o professor Carlos Rodrigues Brandão (2007), a cultura pode ser um instrumento de dominação e de poder ou de libertação e comunhão. O destino universal da cultura deve encarnar-se em condições históricas concretas que permitam a comunicação real dos seres humanos pelos quais e para os quais ela é produzida: somente desta forma a cultura é autêntica.  A experiência humana da cultura é e está contida nos atos e fatos, nos gestos e nos feitos, dotados de simbologia e de significados, com que nos criamos e criamos o mundo. Gestos realizados em situações interativas de troca e reciprocidade, gerados e geradores das diferentes dimensões da vida social. Gestos interativos através dos quais continuamente transformamos coletividades orgânicas em comunidades sociais.

Entretanto, a pessoa que nasceu integrada em sua cultura, em suas tradições, com o crescimento e amadurecimento pessoal, poderá vir a questionar verdades aprendidas por meio de um rigoroso exercício crítico próprio do seu pensamento, mesmo se ao questionar as verdades de seu grupo possa vir a reintegrá-las em sua vida. Todavia, apesar desse exercício de especulação racional, constata-se que são muito mais numerosas na vida de uma pessoa a verdades acreditadas do que aquelas adquiridas por verificação pessoal.           

Cada um, quando crê, confia nos conhecimentos adquiridos por outras pessoas - pai, mãe, mestres, amigos, amigas –, e o ato de confiar no outro lhe dá segurança. Ao acreditar, você confia na verdade que o outro expressa. A capacidade e a decisão de confiar o próprio ser e a existência a outra pessoa constituem um dos atos antropologicamente mais significativos e expressivos. Dito de outra forma, a impossibilidade de confiar em alguém gera no ser humano uma insegurança existencial ontológica, desumanizando-o, coisificando-o. Todo e qualquer sistema político-econômico que não alimente e impossibilite a realização da confiança mútua, nos diversos níveis da vida humana, é um sistema desumanizador.

Exemplos de confiança seriam muitos os que poderíamos relatar, basta pensar na vida matrimonial onde homem e mulher deixam seus núcleos familiares de origem para entregarem-se um ao outro, na aventura da construção recíproca. Mas um dos relatos históricos clássicos são os exemplos dos mártires, que superaram o medo da morte entregando o bem mais precioso que possuíam – a própria vida - por confiarem plenamente na verdade da qual um outro lhes comunicou. Eles tiveram certamente uma confirmação pessoal interior, vivenciada e refletida no seu dia a dia, que nada nem ninguém lhes podia arrancar. Supõe-se, claramente, sempre uma elaboração e uma síntese que passa pela própria pessoa em suas opções existenciais. Donde podemos concluir que a pessoa que busca a verdade, busca ao mesmo tempo uma pessoa em que possa confiar.

Se pensarmos o contexto cultural onde vivemos e perguntarmo-nos se este nos impulsiona a desenvolver a busca da verdade e a busca de relacionamentos estáveis de confiança mútua, verificaremos que a matriz antropológica da Modernidade está fundamentada no egoísmo individualista, de base material. Para essa escola de pensamento, o homem é essencialmente um ser egoísta que procura maximizar os seus ganhos pessoais nos relacionamentos que estabelece com outros homens e com a Natureza. Assim, o outro deixa de ser um alguém com que posso me relacionar, para ser um meio para se obter uma vantagem. O outro deixa de ser sujeito e é transformado em objeto.

Essa visão instrumental expressa-se numa razão utilitária voltada para o prazer e poder individual nos diversos campos da vida humana: econômico, político, social, religioso, familiar. Como afirmou Amartya Sen (2000), o cálculo utilitarista não leva em consideração desigualdades na distribuição da felicidade (importa apenas a soma total, independentemente do quanto sua distribuição seja desigual), apresentando forte descaso com direitos, liberdades e outras considerações desvinculadas da utilidade.

            Atualmente, a combinação de novos arranjos técnicos, implicando uma brusca mudança nos processos de produção econômica, com uma nova forma de pensar e perceber politicamente o tempo e o espaço mundial pelo pensamento dominante, gerou um novo momento na história da humanidade: a globalização hegemônica. Ela não é apenas a existência desse novo sistema de técnicas, é também a emergência de um mercado dito global, responsável pelo essencial dos processos políticos atualmente eficazes, com a existência de um motor único na história, representado pela mais-valia globalizada, resultando numa globalização perversa. Isso poderia ser diferente se o seu uso político-cultural fosse outro. E esse parece ser o debate central.

            Será possível voltarmos a confiar no outro tendo como base filosófica e material um tipo de produção social na qual o egoísmo está presente como elemento estrutural de sistema?

            Será possível pensar uma nova forma de organização sócio-econômica global que tenha em sua estrutura dinâmica a solidariedade e a reciprocidade humanas?

            A que tipos de conhecimento precisaríamos recorrer, que não apenas o cientificismo moderno, para reaprender a confiar uns nos outros?

            Essas perguntas e a urgente reflexão sobre elas parecem estar na ordem do dia da humanidade, na medida em que a crise econômica e ecológica globais aumentam a cada momento. Quem sabe consigamos, ao revisitar outras formas de conhecimento, tais como o aprendizado com experiência do dia a dia e o conhecimento religioso mais amadurecido ao longo da história, construir um novo caminho de volta para a Casa Materna.

Aexandre Aragão

Fonte: Jornal do MAUSS Iberolatinoamericano