20 de janeiro de 2010

Luto por um ser consciente: Zilda Arns


Até sua morte, no terremoto do Haiti, Zilda Arns era pouco conhecida da maioria dos economistas, investidores e empresários comprometidos com o crescimento tradicional do PIB. A médica sanitarista, no entanto, deveria figurar nos anais das boas escolas de administração do mundo inteiro, como criadora de uma metodologia de trabalho revolucionária e altamente eficiente. A Pastoral da Criança, que ela ajudou a criar em 1983 como desafio proposto pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) à Igreja Católica, exibe indicadores invejáveis, seja qual for o ângulo adotado para analisar o desempenho da entidade.

O mais admirável é o custo mensal por cada uma das cerca de 2 milhões de crianças atendidas: menos de US$ 1,00. Os recursos de pouco mais de R$ 35 milhões utilizados no exercício de 2008 representaram um custo mensal de R$ 1,69 por criança, decomposto em vários investimentos, como capacitação de voluntários (R$ 0,18 por criança/mês), apoio geração de renda (R$ 0,06) e educação de jovens e adultos (R$ 0,05).

Presente em 42 mil comunidades pobres e em 7.000 paróquias de todas as Dioceses do Brasil, a Pastoral se move num trabalho de formiga, que envolve 260 mil voluntários (92% deles mulheres). Imbuídos do espírito missionário, eles dedicam, em média, 24 horas por mês ao trabalho de orientar mães e famílias para que cuidem bem de suas crianças. O objetivo primordial da entidade, organismo de ação social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), é “reduzir as causas da desnutrição e da mortalidade infantil e promover o desenvolvimento integral das crianças, desde a concepção até os 6 anos de idade”. Como pediatra e sanitarista, Zilda Arns acreditava que “a primeira infância é uma fase decisiva para a saúde, a educação, a fixação de valores culturais e o cultivo da fé e da cidadania, com profundas repercussões ao longo da vida”.

O atendimento a cerca de 1,5 milhão de famílias em mais de 3.500 cidades brasileiras trouxe um novo sentido de dignidade e cidadania aos excluídos da nação. Fez também despencar os índices de desnutrição e de mortalidade infantil a patamares ainda hoje perseguidos pela ONU. Em 1983, a Pastoral encontrou 50% de crianças desnutridas – hoje elas são 3,1% das atendidas. A mortalidade infantil despencou de 127 para 13 por mil nascidos vivos. Que outra empresa, ONG ou entidade governamental pode se dar ao luxo de ostentar desempenho tão robusto?
Graças à coordenação e ao empenho de Zilda Arns e à sua rede de voluntários, o Brasil poderá dizer que fez parte da lição de casa proposta pela Declaração do Milênio, aprovada pelas Nações Unidas em setembro de 2000. Das oito metas a serem atingidas até 2015, pelo menos duas – “erradicar a extrema pobreza e a fome” e “reduzir em 50% a mortalidade infantil” – sem dúvida alguma devem muito à Pastoral da Criança. Que desde 2008 exporta sua tecnologia social para outros continentes. Angola, Moçambique, Guiné-Bissau; Timor Leste, Filipinas, Paraguai, Peru, Bolívia, Venezuela, Argentina, Chile, Colômbia, Uruguai, Equador e México. No Haiti, Zilda Arns estava justamente empenhada em divulgar a metodologia que criou e que tem caráter ecumênico. Numa entrevista, ela contava como voluntários muçulmanos se sentiam felizes por poder ajudar seus conterrâneos da Guiné-Bissau.

(...) Zilda Arns, uma mulher atenta às demandas dos mais pobres, fez pelo Brasil o que a maioria dos políticos e governantes juntos não fizeram nos últimos 30 anos. Sua obra permanecerá, porque se apoia em pilares sólidos, chamados amor, solidariedade, fé, compaixão, transparência.

Fonte:
Instituto Ethos

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