21 de setembro de 2009

Visão fragmentada X Visão sistêmica

Por Luis Antônio Gaulia*

"...mas a tal Sustentabilidade, palavra da moda, precisa exatamente disso: de uma visão mais abrangente – que vai gerar alguma reflexão e muito aprendizado."

Numa conversa com um engenheiro de uma fábrica de bombas, mísseis e explosivos foi perguntado se o sujeito tinha algum tipo de culpa pelo que produzia. A resposta veio com um tiro de fuzil: “Não tenho culpa de nada. Aqui eu só faço a colocação do detonador. Nem sei quanto de explosivo existe nesse artefato. Também não sou eu quem jogará essa bomba em cima dos outros”.

O exemplo acima ilustra bem o que significa ter uma visão fragmentada do mundo e da vida. Diferentemente de uma visão sistêmica – que considera o conjunto, o todo e a teia de conexões e interdependências de qualquer atividade humana. E que é fundamental para a sobrevivência atual de nossa espécie na terra.

Mas de onde surge essa visão estanque? Acredito que vivemos sob a influência de dois modelos de pensamento que não somente nos trouxeram o crescimento industrial e a fartura de produtos como automóveis, geladeiras, computadores e ogivas nucleares. Mas que também trouxeram, por conseqüência, os engarrafamentos, a queima de combustível fóssil e a poluição do ar, o desperdício de energia, a guerra moderna e seu poderio militar destrutivo como nunca se viu na história humana.

Falo sobre o pensamento de Descartes e de Newton. Pensadores geniais que transformaram o mundo pela força de suas idéias. Mas que estavam apenas parcialmente certos. Explico: quando se determina que a verdade é tudo aquilo que a razão pode explicar, privilegia-se o mental, racional, matemático e deixa-se de lado outras visões da verdade como os costumes, a cultura, a emoção, a espiritualidade (não de uma religião, mas de uma crença maior nos mistérios da vida). Ou seja, produz-se um modelo onde só a razão e a mente valem.

Ou seja, ao explicarmos a vida e o universo a partir de uma visão mecanicista, onde o mundo funcionaria como um grande relógio, passamos a perceber a dinâmica da vida como um conjunto de peças dentro de ritmos determinados pelo tempo e pelo movimento. Peças perfeitamente controláveis. Um modelo mental que acabou classificando homens e mulheres como “recursos” e dessa forma plenamente substituíveis ou trocáveis, assim como peças de uma máquina – muito bem retratada na genialidade de Charles Chaplin no filme “Tempos Modernos”.

E mais ainda. Um modelo que deixou de perceber que a industrialização e o crescimento contínuo de negócios não consideravam há até poucos anos, os impactos desse crescimento sobre ecossistemas variados. Uma visão – fragmentada – que deixava a natureza do lado de fora das fábricas, desconsiderando o valor do que podemos chamar hoje de capital natural. E pior: na sua prepotência em traçar metas e objetivos, acreditou que através de um controle feito pelas planilhas matemáticas poderia comandar e controlar tudo. Inclusive a vida.

Ora, quem consegue controlar a vida? Ainda não existem respostas para isso. Assim, tanto Newton quanto Descartes descobriram uma apenas uma parte da verdade do mundo. E hoje, precisamos acrescentar, incluir, considerar, perceber outras dimensões desse gigantesco mistério chamado vida. Nosso futuro depende dessa visão sistêmica.

A partir disso, desta visão holística, do todo que nos une e nos insere numa teia universal, poderemos entender que nossos atos, dos mais simples aos mais complexos podem afetar nossos rumos, podem afetar nosso futuro. É um desafio muito grande começar a mergulhar nessas dimensões. Mas a tal sustentabilidade, palavra da moda, precisa exatamente disso: de uma visão mais abrangente – que vai gerar alguma reflexão e muito aprendizado. Por tabela (Ops, olha o racional aí!), novos processos, novos jeitos de fazer, de organizar. Vai gerar inovação. Mudança.

E vai fazer também que aquele engenheiro lá na fábrica de bombas não tenha a desculpa perfeita de dizer que ele só é responsável por uma pequena parte do trabalho. Que não faz mal a ninguém na sua rotina de instalação de pequenos detonares dentro de pequenos ou grandes mísseis. Aliás, quem sabe num futuro não tenhamos mais este tipo de negócio? Indústria de armas, complexos militares.

Afinal, numa visão maior vamos nos descobrir não sujeitos desconhecidos, estrangeiros ou intrusos, mas membros de uma só família que habita o mesmo endereço residencial: a Terra.


* Luis Antônio Gaulia é especialista em Comunicação Empresarial e Comunicação para a Sustentabilidade.


(Envolverde/Revista Plurale)

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