24 de abril de 2010

Usina Belo Monte: Alternativas energéticas para um Brasil sustentável

Por Suzane Lima

Com a vitória do consórcio liderado pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) e a Queiroz Galvão, chega ao final uma novela que começou no período da ditadura, mas especificamente em 1975. A construção da usina Belo Monte, no rio Xingu, no estado do Pará, é motivo de discordância entre ambientalistas, índios, comunidades ribeirinhas e o governo e as principais indústrias do setor elétrico. Enquanto uns argumentam que a hidrelétrica - considerada a terceira maior do mundo - vai tirar o Brasil do sufoco, evitando apagões como o de 2001, outros acreditam que os benefícios trazidos por esse empreendimento será muito menor do que os impactos socioambientais de se embarreirar um dos maiores afluentes do rio Amazonas. Belo Monte é realmente necessária? Ou há alternativas sustentáveis, que causem menor impacto?

Até mesmo o leilão que decidiu qual consórcio iria construir a hidrelétrica foi realizado depois de muita briga. Só na semana passada, o Tribunal Federal do Pará cassou a autorização e, logo depois, o Ministério Público recorreu da decisão e validou o leilão. No início deste mês, o consórcio formado pelas gigantes da construção civil, Odebrecht e Camargo Correa desistiu de participar da disputa. De acordo com as empresas, um estudo rigoroso das condições do edital e as respostas que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) divulgou sobre as questões feitas pelos técnicos das duas construtoras foram a razão da desistência. 

De acordo com a Eletronorte, Belo Monte, com valo estimado em R$ 19 bilhões, seria "um excelente investimento" se for associada ao Sistema Elétrico Brasileiro, com capacidade de gerar 11.233 megawatts, com um reservatório de 516 km² e ainda contaria com uma segunda casa de força. Ela serviria para melhorar o aproveitamento da vazão do rio e, segundo a estatal, reduzir os impactos ambientais, porque precisa de menor volume de água para ser movimentada além de produzir mais 27,5 megawatts por km². Como identificado nos estudos da empresa, esse seria um dos melhores aproveitamentos do mundo, se considerado, por exemplo, com a usina de Tucuruí (2,8 megawatts) ou Itaipu (8,6 megawatts). A Eletronorte ainda prevê outros seis barramentos só no rio Xingu.

"Espero que grande parte desta energia seja consumida no próprio Pará, mas isso ainda é um sonho. No cenário atual, ela será incluída dentro do Sistema Elétrico Brasileiro, e acho que a tendência natural será utilizar a energia não usada no Pará para suprir o Nordeste, para suprir todo o país", afirmava José Muniz Lopes, presidente da Eletronorte, em 2002.

Contra a corrente
 
Assim que Belo Monte começou a ser pensada, em meado da década de 1970, ambientalistas de todo o mundo, além de índios e comunidades ribeirinhas se mobilizaram para impedir que a hidrelétrica fosse construída.  Em 1986, o Plano Nacional de Energia Elétrica 1987/2010 é concluído. Nele, é proposta a construção de 165 usinas hidrelétricas até 2010, 40 delas só na Amazônia Legal (área que engloba nove estados brasileiros com floresta amazônica), com o aumento de potência nacional de 43 mil megawatts para 160 mil. O texto desta que "pela sua dimensão, o aproveitamento do Rio Xingu se constituirá, possivelmente, no maior projeto nacional no final deste século e começo do próximo".

No início de 1989, como resposta a este documento, é realizado o 1º Encontro dos Povos Indígenas, em Altamira, no Pará. O objetivo era protestar contra as decisões tomadas na Amazônia sem a participação dos índios, além de um manifesto contra a construção do Complexo Hidrelétrico do Xingu. O encontro acabou ganhando uma imprevista notoriedade com a participação de 650 índios de diversas partes do país, políticos, cerca de 300 ambientalistas e 150 jornalistas.

Apesar de toda estrutura, o que mais chamou atenção foi o gesto da índia Tuíra que se levantou da platéia e encostou a lâmina de seu facão no rosto do então diretor da Eletronorte, José Muniz Lopes. A cena foi reproduzida em vários jornais de todo o mundo e se tonou histórica. O evento foi encerrado sem uma decisão final sobre a usina, mas com o lançamento da Campanha Nacional em Defesa dos Povos e da Floresta Amazônica, que exigia a revisão dos projetos de desenvolvimento da região.

Impactos socioambientais

"O projeto não pode ser aprovado de forma emergencial antes de um estudo independente amplamente divulgado que contenha informação precisa quanto à potência total gerada, ao número real de atingidos, à necessidade de complementação do projeto com um complexo de hidrelétricas no Rio Xingu, e ao posicionamento dos povos indígenas, que devem ter respeitado o seu direito de veto." Assim o documento formulado pelo Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, durante a avaliação dos 10 anos da Rio 92, em maio de 2002, pediu  a revogação da condição estratégica da Usina Hidrelétrica de Belo Monte e elaborou a plataforma mínima para o setor energético brasileiro.

De acordo com levantamentos feitos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe),  Belo Monte vai afetar direta e indiretamente milhares de pessoas. Desde as comunidades isoladas que precisam do rio Xingu para se locomoverem, índios que terão que ser removidos das áreas que ficarão debaixo d’água até o ecossistema da região.

Para a professora de geografia da PUC-Rio e especialista em hidrologia e climatologia, Adriana Silgueira, a remoção de centenas de famílias das áreas alagadas rompe as raízes com o ambiente em que elas viviam e com a forma de se relacionar. Adriana também cita a criação do Movimento dos Atingidos por Barragens, que reúne as populações que não foram realocadas pelo governo depois de perderem suas terras e seu meio de sustento.

"As pessoas criam raízes com o meio ambiente e tem uma forma de se relacionar com esse meio. Elas vivem da terra e, com a construção da barragem, essas relações são rompidas".

No caso da reservas indígenas, Adriana considera a remoção ainda mais grave, pois os diferentes povos têm relações de afetividade e fé com o lugar que habitam.

"As reservas indígenas dão a entender que são grandes jaulas, mas isso é um mal necessário, é um espaço onde eles podem reproduzir suas culturas. Se eles tiverem que sair, seus ritos, que estão ligados aquele ponto especial, tudo terá que ser abandonado", afirmou.

Apesar de todos esses impactos, Adriana reconhece que a construção de Belo Monte vai dar ao Brasil um potencial energético ainda maior, mesmo considerando essa capacidade subutilizada.

"Tem muito impacto, mas gera muito energia. Tudo depende do objetivo que essa energia vai ser usada. Não podemos nos espelha em Tucuruí, que foi um desastre".

O Ministério do Meio Ambiente liberou, em fevereiro deste ano, a licença ambiental para a construção da usina, porém, as questões centrais para avaliar a obra não foram totalmente esclarecidas. O parecer dos técnicos do Ibama, feito no final de novembro de 2009, indica que os estudos não conseguem prever os impactos na vida dos peixes em um trecho de mais de 100 km de rio e, consequentemente, não indica o que pode acontecer com as pessoas que dependem desse alimento, como as comunidades indígenas ribeirinhas.

A professora Adriana Silgueira acredita que os impactos ambientais desse projeto começam no alagamento da floresta. Ela explica que as árvores, por estarem debaixo da água, vão começar a se decompor e, com isso, liberar gases tóxicos, como o metano - um dos principais agravadores do efeito estufa -, e isso contaminaria a água do rio, ameaçando o ecossistema marinho. Outro ônus ambiental observado pela professora é a alteração da vida dos seres vivos do local onde a barragem será construída. De acordo com Adriana, os animais estão adaptados a um tipo de vazão e muitas hidrelétricas acabam transferindo esse processo para outra parte do rio.

"As árvores estariam ameaçadas de extinção, elas não têm a capacidade de adaptação tão rápida como o necessário nesses casos. Muitas vezes é feita a remoção dos animais, mas pensando no ponto de vista de sobrevivência, há risco", afirma.

O assoreamento do rio também é apontado por Adriana como um dos pontos mais graves. De acordo com a especialista, quando o rio não tem barragem, a carga de sedimentos flui com as chuvas, mas quando um desvio é construído, esses segmentos se acumulam no fundo da represa.

O artigo 231 da Constituição Federal de 1988 prevê que o aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas só pode ser feito com a autorização do Congresso Nacional e depois das comunidades afetadas serem ouvidas. Levando em consideração a briga entre os índios e a Eletronorte, essa lei não vem sendo cumprida. A importância desse artigo só foi reconhecida pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2002, ministro Marco Aurélio Mello, que negou o pedido da União para cassar a liminar que suspendia o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), feito pela Eletrobras. Na prática, só uma lei ordinária poderia tirar a posse dessas terras das mãos dos indígenas.

Porém, por causa do apagão de 2001, o governo de Fernando Henrique Cardoso editou a Medida Provisória 2.152-2, conhecida como MP do Apagão, que, entre outras ações, determina que o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estabeleça um licenciamento simplificado de empreendimentos do setor elétrico, classificados como de "baixo impacto ambiental". Nesta época também é criado o Relatório Ambiental Simplificado, que se aplica às obras que não precisarão do EIA.

Alternativas

Para o professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Bernardo Vainer, a construção de Belo Monte é desnecessária, pois os impactos causados pelas obras, se comparados com a geração de energia da usina, é infinitamente maior. De acordo com Vainer, este empreendimento responde aos interesses de determinados grupos financeiros e não beneficiaria toda a sociedade. Uma prova da tese do professor é o estudo da ONG International Rivers Network, que comprovou que as empresa de alumínio utilizam 8% de toda energia elétrica do país e cerca de 2% no mundo. Aproximadamente 50% da energia elétrica no Brasil é consumida por indústrias, sendo que 30% se restringe a seis setores: cimento, aço, alumínio, ferro-ligas, petroquímica e papel e celulose.

"A experiência internacional e brasileira mostra que o projeto custa quatro vezes mais que o previsto e isso mobiliza interesses muito poderosos, como os das grandes empreiteiras e empresas do setor elétrico. Tudo isso é protegido pelo Estado brasileiro, que oferece financiamentos, através do BNDES, a juros baixos, ou seja, uma enorme mobilização de recursos públicos para um interesse privado", afirmou.

Assim com a professora Adriana Silgueira, Vainer também acredita que, com o barramento do rio Xingu, a biodiversidade que só existe naquele local fica muito comprometida. De acordo com o pesquisador, nós transformamos rios em fontes de energia que não será consumida no Brasil, mas exportada para países como o Japão em forma de alumínio. E, um dos erros que Vainer considera como "lamentável" é acabar com esses recursos sem que a população opine sobre o tema.

"O rio é fundamental, tem uma biodiversidade inigualável. Só no Xingu há uma biodiversidade quatro vezes maior do que a de todas as bacias da Europa juntas e a construção dessa barragem é uma declaração de morte dessas espécies do local".

Há diversas alternativas para a construção de Belo Monte e não precisa ser um país rico para utilizar energia 100% limpa. Na Argentina, por exemplo, 10% da energia produzida vem da força dos ventos. No caso do Brasil, de acordo com Carlos Bernardo Vainer, falta investimento nesta área, que não gerariam grandes negócios na área da construção civil, mas diminuiria os impactos ambientais do Sistema Elétrico Brasileiro. Além disso, Vainer propõe uma mudança mais profunda na sociedade, atingindo o modelo de produção brasileiro que, enquanto as grandes potências produzem materiais sofisticados, ainda está exportando matérias-primas aparentemente sem muito valor.

"O modelo econômico tem que ser revisto, pois exportar produtos eletrointensivos em pleno século XXI é o mesmo que exportar café no século XIX . Os outros países estão em uma área de fronteira do conhecimento, exporta energia é exporta floresta", disse.

O pesquisador ainda toca em um ponto que causa discordância. Para ele, não é necessário construir nenhuma hidrelétrica se for, por exemplo, aproveitada a iluminação do sol.  O professor aponta que a adoção de energia totalmente limpa seria mais eficiente do que a construção de usinas e consequente assoreamento dos rios. Vainer acredita que a opção para a destruição da Amazônia é a escolha de que tipo de sociedade queremos ser: desejamos acabar com as florestas e rios ou queremos a preservação da nossa natureza?

"É uma chantagem permanente que se faz na sociedade. Cerca de 30% da energia vai para o sistema produtor e as pessoas ficam sem eletricidade. É para os grandes grupos que estamos entregando a nossa energia. Temos que nos perguntar sobre a divisão das riquezas na sociedade, porque isso se demonstra na divisão da energia. É possível se fazer uma reforma agrária de energia".

Além disso, Vainer aponta o desperdício nas linhas de transmissão e a privatização das empresas de energia, no governo Fernando Henrique Cardoso, como um dos maiores problemas do setor. Estima-se que no Brasil o desperdício nas linhas de transmissão - 15% ou 54 milhões de MW/h - seja quatro vezes maior do que na Europa. Porém, para que esse gasto fosse evitado, seria necessário melhorar o isolamento nas linhas e substituir equipamentos defeituosos, como os transformadores.

"Foi uma tragédia entregar um bem do povo ao setor privado. Eles só querem lucro e com a ausência do Estado, não há um controle social do serviço. Uma parcela importante dos nossos rios estão nas mãos dessas empresas".

De acordo com as conclusões do seminário internacional Fontes Alternativas de Energia e Eficiência Energética - Opção para uma Política Energética Sustentável no Brasil, organizado em junho de 2002 pela Fundação Heinrich Böll e a ONG Coalização Rios Vivos, apesar de projetos de lei em tramitação e dos recentemente aprovados - como o que cria o Programa Prioritário de Desenvolvimento da Energia Eólica no Nordeste e o que institui o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica -, ainda falta um marco regulatório que oriente o setor. Isso porque constantes mudanças e anúncio de normas e medidas provisórias criam um clima de incerteza para os investidores e têm inibido a ampliação de negócios em fontes alternativas de energia no Brasil.

A visão do ex-presidente da Eletrobras José Muniz Lopes comprova a tese de que o Brasil não quer descobrir novas formas de produzir energia, mas dar mais forças para as usinas hidrelétricas.

"Todo ano são mais 3 milhões de pessoas incorporadas à população em condições de trabalhar, e vamos atender a esse crescimento como? Com células fotovoltáicas, com biomassa, com energia solar? Por que os mais desenvolvidos não fazem isso? Porque não tem escala para isso. O grande diferencial do Brasil é o potencial hidrelétrico. Mas, se essas opções não saírem, vamos ter que ir para energia nuclear ou gás combustível, mas gás de onde? Os Estados Unidos têm gás, carvão, dominam o petróleo do mundo, e o Brasil domina o quê? Em Joanesburgo, durante a Rio + 10, nenhum país desenvolvido quis assumir isso. Por que nós vamos querer? Não estou defendendo a posição dos Estados Unidos. Mas estou dizendo o seguinte: será que eles estão errados e nós estamos certos ou nós estamos errados? Não sei. É para ser avaliado."

1 comentários:

Guizo Vermelho disse...

Deveria ser avaliado, mas a pior opção está sendo imposta.