A ciência das mudanças climáticas tem estado na defensiva nas últimas semanas, devido a um erro que exagerou drasticamente os números que apontavam para o desaparecimento das geleiras do Himalaia. Alguns na mídia e outros céticos sobre as mudanças climáticas estão tendo um momento de brilho, esmiuçando cada vírgula e suspiro nas avaliações do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) de 2007.
Vozes estridentes estão até mesmo considerando o aquecimento global um embuste como o “bug do milênio”. Como resultado, a opinião pública tem ficado cada vez mais confusa à medida que o questionamento incessante ao IPCC e a seus integrantes toma uma proporção de caça às bruxas.
É realmente a hora de um teste de realidade. É mais do que certo apontar erros, fazer correções e conferir novamente a credibilidade e precisão de pesquisas. Também é certo que o IPCC reconheceu a necessidade de mais controle de qualidade para minimizar quaisquer riscos em novos relatórios. Mas vamos deixar de lado o mito de que a ciência das mudanças climáticas tem furos escondidos e está afundando rapidamente em um mar de mentiras.
Ao longo de 22 anos, o IPCC baseou-se no conhecimento de milhares das melhores cabeças científicas, indicados por seus próprios governos, na tentativa de esclarecer a complexidade de fenômenos ambientais descobertos, e os potenciais impactos deles na economia e na sociedade. O painel tem se esforçado para entregar o produto “perfeito” em matéria de suas obrigações, rigor científico, avaliação de especialistas e franqueza, e tem apresentado o conhecimento – mas também lacunas do conhecimento – em termos do que entendemos sobre o aquecimento global.
O relatório de 2007 representa a melhor avaliação de risco possível, mesmo que um erro – ou, para ser mais exato, um erro de tipografia – em sua declaração sobre os números do derretimento das geleiras do Himalaia.
Uma percepção propagada nas últimas semanas é de que o IPCC é sensacionalista: essa é talvez a mais surpreendente, se não risível, alegação de todas. Na verdade, o painel tem sido criticado por ser muito conservador em suas projeções do possível aumento no nível do mar no século 21. De fato, precaução ao invés de sensacionalismo tem sido o lema do painel ao longo de sua existência.
Em sua primeira avaliação, em 1990, o IPCC comentou observar que o aumento da temperatura era “coerente com as previsões dos modelos climáticos, mas que também tinha a mesma magnitude da variabilidade climática natural”. A segunda avaliação, em 1995, diz: “Os resultados indicam que a tendência observada na temperatura média global nos últimos cem anos não parecem ser originalmente totalmente naturais”.
Em 2001, seu terceiro relatório informava: “Há evidências novas e fortes de que a maioria do aquecimento observado nos últimos 50 anos pode ser atribuído a atividades humanas”. Em 2007, o consenso tinha atingido “uma convicção muito forte” – pelo menos 90% de chance de acerto – de que os cientistas estavam compreendendo como as ações humanas estavam fazendo o mundo ficar mais quente.
Isso não se parece com um organismo parcial ou proselitista, mas como uma organização que tem se esforçado para montar, organizar e entender um quebra-cabeça científico que se desenvolve rapidamente e para o qual novas peças surgem quase diariamente, enquanto outras ainda serão descobertas. Então talvez a questão que realmente está sendo negligenciada aqui seja essa: confrontado pela percepção crescente de que a humanidade se tornou a grande responsável pelas mudanças em nosso planeta, o IPCC, desde seu início, tem estado em corrida contra o tempo.
As enormes evidências agora nos indicam que a emissão de gases do efeito estufa precisa atingir o ponto máximo dentro da próxima década para termos alguma chance razoável de manter o aumento da temperatura global em níveis aceitáveis. Qualquer atraso pode gerar riscos ambientais e econômicos tão grandes que será impossível lidar com eles.
O fato é que o mundo pode ter de fazer uma transição para um futuro de baixo carbono e recursos renováveis mesmo se não houver nenhuma mudança no clima. Com o crescimento da população mundial de seis para nove bilhões nos próximos 50 anos, precisaremos melhorar o controle da nossa atmosfera, ar, terras, solos e oceanos.
Mais do que enfraquecer o trabalho do IPCC, nós deveríamos renovar e redobrar nossos esforços para apoiar sua tarefa gigantesca de reunir ciência e conhecimento para seu quinto relatório, em 2014. O que é preciso é uma resposta internacional urgente aos múltiplos desafios da segurança energética, poluição do ar, gestão dos recursos naturais e mudanças climáticas.
O IPCC é tão falível quanto os seres humanos que o compõem. Mas continua sendo, sem sombra de dúvida, a melhor e mais sólida instituição que temos para uma comunidade de mais de 190 países fazer essas tão críticas escolhas para o futuro do planeta.
***Achim Steiner é diretor-executivo do Programa Ambiental da ONU, co-anfitrião do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Tradução: Pedro Moreira
Vozes estridentes estão até mesmo considerando o aquecimento global um embuste como o “bug do milênio”. Como resultado, a opinião pública tem ficado cada vez mais confusa à medida que o questionamento incessante ao IPCC e a seus integrantes toma uma proporção de caça às bruxas.
É realmente a hora de um teste de realidade. É mais do que certo apontar erros, fazer correções e conferir novamente a credibilidade e precisão de pesquisas. Também é certo que o IPCC reconheceu a necessidade de mais controle de qualidade para minimizar quaisquer riscos em novos relatórios. Mas vamos deixar de lado o mito de que a ciência das mudanças climáticas tem furos escondidos e está afundando rapidamente em um mar de mentiras.
Ao longo de 22 anos, o IPCC baseou-se no conhecimento de milhares das melhores cabeças científicas, indicados por seus próprios governos, na tentativa de esclarecer a complexidade de fenômenos ambientais descobertos, e os potenciais impactos deles na economia e na sociedade. O painel tem se esforçado para entregar o produto “perfeito” em matéria de suas obrigações, rigor científico, avaliação de especialistas e franqueza, e tem apresentado o conhecimento – mas também lacunas do conhecimento – em termos do que entendemos sobre o aquecimento global.
O relatório de 2007 representa a melhor avaliação de risco possível, mesmo que um erro – ou, para ser mais exato, um erro de tipografia – em sua declaração sobre os números do derretimento das geleiras do Himalaia.
Uma percepção propagada nas últimas semanas é de que o IPCC é sensacionalista: essa é talvez a mais surpreendente, se não risível, alegação de todas. Na verdade, o painel tem sido criticado por ser muito conservador em suas projeções do possível aumento no nível do mar no século 21. De fato, precaução ao invés de sensacionalismo tem sido o lema do painel ao longo de sua existência.
Em sua primeira avaliação, em 1990, o IPCC comentou observar que o aumento da temperatura era “coerente com as previsões dos modelos climáticos, mas que também tinha a mesma magnitude da variabilidade climática natural”. A segunda avaliação, em 1995, diz: “Os resultados indicam que a tendência observada na temperatura média global nos últimos cem anos não parecem ser originalmente totalmente naturais”.
Em 2001, seu terceiro relatório informava: “Há evidências novas e fortes de que a maioria do aquecimento observado nos últimos 50 anos pode ser atribuído a atividades humanas”. Em 2007, o consenso tinha atingido “uma convicção muito forte” – pelo menos 90% de chance de acerto – de que os cientistas estavam compreendendo como as ações humanas estavam fazendo o mundo ficar mais quente.
Isso não se parece com um organismo parcial ou proselitista, mas como uma organização que tem se esforçado para montar, organizar e entender um quebra-cabeça científico que se desenvolve rapidamente e para o qual novas peças surgem quase diariamente, enquanto outras ainda serão descobertas. Então talvez a questão que realmente está sendo negligenciada aqui seja essa: confrontado pela percepção crescente de que a humanidade se tornou a grande responsável pelas mudanças em nosso planeta, o IPCC, desde seu início, tem estado em corrida contra o tempo.
As enormes evidências agora nos indicam que a emissão de gases do efeito estufa precisa atingir o ponto máximo dentro da próxima década para termos alguma chance razoável de manter o aumento da temperatura global em níveis aceitáveis. Qualquer atraso pode gerar riscos ambientais e econômicos tão grandes que será impossível lidar com eles.
O fato é que o mundo pode ter de fazer uma transição para um futuro de baixo carbono e recursos renováveis mesmo se não houver nenhuma mudança no clima. Com o crescimento da população mundial de seis para nove bilhões nos próximos 50 anos, precisaremos melhorar o controle da nossa atmosfera, ar, terras, solos e oceanos.
Mais do que enfraquecer o trabalho do IPCC, nós deveríamos renovar e redobrar nossos esforços para apoiar sua tarefa gigantesca de reunir ciência e conhecimento para seu quinto relatório, em 2014. O que é preciso é uma resposta internacional urgente aos múltiplos desafios da segurança energética, poluição do ar, gestão dos recursos naturais e mudanças climáticas.
O IPCC é tão falível quanto os seres humanos que o compõem. Mas continua sendo, sem sombra de dúvida, a melhor e mais sólida instituição que temos para uma comunidade de mais de 190 países fazer essas tão críticas escolhas para o futuro do planeta.
***Achim Steiner é diretor-executivo do Programa Ambiental da ONU, co-anfitrião do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Tradução: Pedro Moreira
Fonte: Zero Hora
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